domingo, novembro 11, 2007

O Porto da Minha Infância


Evocar a cidade em que cresceu foi para Manoel de Oliveira o pretexto para encher o grande ecrã das sombras e fantasmas do mundo desaparecido em que se fez homem e cineasta.
«O Porto da Minha Infância» é provavelmente a resposta à produtividade do realizador. Caso singular no cinema português, quando após o 25 de Abril lhe viabilizaram as obras, pensou-se que era o final de uma carreira brilhante mas sufocada pelo Estado Novo o que estava em questão. Engano. O seu era um percurso cinematográfico a começar. Nas últimas décadas tem feito desfilar no ecrã as personagens que lhe agitam a imaginação - fantasmas de um mundo (em que o real e o literário se contaminam) em que cresceu - na proporção do seu desaparecimento. Daí que a sua criação tenha acelerado. Porque o que Oliveira faz é um cinema de resistência. De resistência ao fim de um mundo com tempo e com espaço para a sedução e o prazer, os sentidos e o olhar.
Este documentário é poético e sinfónico - como o primeiro, «Douro, a Faina Fluvial - o que acentua o movimento de regresso ao princípio de si. Abre com duas sequências espantosas. A primeira é a de um maestro dirigindo um vazio negro, que lhe devolve a sinfonia de uma cidade. A segunda é assombrada pela fotografia – desfocada e ora diurna ora nocturna - das ruínas da casa em que o cineasta nasceu, em 1908. É sob este fundo que Oliveira começa a narrar a história de amor com a cidade que Maria Isabel, a mulher do cineasta, embala numa canção evocadora da infância.
O paralelismo, estruturante do filme, entre a(s) vida(s) da cidade e a(s) de Oliveira – é, também, emprestado da sua primeira obra (o paralelismo era então entre os fenómenos naturais e os elementos da vida social), a que rouba imagens. A «Aniki Bobó» - que fez 60 anos em 2001 – vai buscar a evocação, inevitável, do amor inocente e o exorcismo da culpa pelo roubo que visa a sedução. Oliveira é o ladrão que seduz Miss Diabo como foi Carlitos que rouba a boneca para agradar a Teresinha. Oliveira fez-se actor e cineasta para roubar o prazer da contaminação da realidade pelo faz-de-conta e no-lo dar de presente em imagens. Para trás ficou a angústia da culpa, agora que nos devolve memórias do prazer que tem roubado à vida ao longo de quase cem anos. Mas Oliveira é também um ladrão do tempo e por isso um Desterrado, condição do sobrevivente a um tempo que passou. Inscrita no filme com sensualidade, a nostalgia do Desterrado não se confundirá nunca, porém, com a resistência à mudança do Velho do Restelo.

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