sexta-feira, dezembro 15, 2006

epifânia

Abriu a porta do 907, a sorrir, antecipando o agrado dele. É uma superstição de Álvaro, a dos números da sorte, e ela aderiu ao jogo como uma menina seduzida pela irresistibilidade da brincadeira nova.
Junto às portas de correr, de acesso à varanda, espreitou a vista sobre Brasília. Invadiu-a o dejá vu. Um ano antes compusera aqueles mesmos gestos…
A vida lá em baixo corre distante, mais ou menos alinhada, segundo a ordem que Óscar Niemeyer, amante declarado do caos do Rio de Janeiro, arquitectou. Mas ela sabe que, à noite, junto ao Naoum, o tráfico dos corpos desafia o arranjo das ruas, rasgadas a direito, onde foi domesticada a vegetação.
O encontro está marcado para o fim do dia mas Maria chegou pela manhã. Quis ficar à espera, na antecipação dos passos a deslizarem no corredor, o bater suave dos dedos na porta, a voz dela a dizer «entra» e ele a transpor a porta. Fixá-la-á mansamente, o olhar azul profundo a percorrê-la com vagar e o sorriso manso a traçar-lhe rugas pequeninas junto aos lábios que ela gosta sobre tudo no rosto marcado dele.

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