terça-feira, maio 08, 2007

O Caimão



Bruno Bonomo era um produtor famoso de filmes B nos anos 70 mas, após um longo interregno na sequência do insucesso comercial de “Cataratas”, só agora volta à actividade com um financiamento da RAI para produzir "O Regresso de Cristovão Colombo". Quando, porém, o autor se despede, não tem alternativa senão propôr o argumento de uma estreante. Entretanto, a vida familiar de Bonomo colapsa. A separação da mulher só não é oficial porque não conseguiram assumi-la perante os filhos. Por isso não se concentrou na leitura do novo guião a ponto de perceber - ele que detesta filmes político de esquerda - que o enredo é sobre o primeiro-ministro italiano e magnata dos média Silvio Berlusconi, em quem votou nas eleições.
Após um filme mais intimista e de plena maturidade emocional, “O Quarto do Filho”, Nanni Moretti volta à sátira política feroz e ao cinema implicado através de uma obra que tanto parodia criticamente o cinema de autor de grande público - e visa directamente Quentin Tarantino e seus “Kill Bill” - como o cinema e televisão em Itália enquanto dispõe um outro filme sobre a ascensão de Berlusconi e que avalia os seus conceitos de entretenimento e “democracia”.
Tal é disposto através da busca do actor que virá a ser o empresário no filme mas também através de imagens de arquivo como as que fixaram o momento em que chamou “capo” (polícia de campo de concentração) a um social democrata alemão em pleno Parlamento Europeu. O clímax é atingido quando Moretti personifica o primeiro-ministro perante o tribunal que o condenou a sete anos de prisão e recusa cumprir pena, evocando que a opinião do popular, que o elegeu, é a única válida para si.
“O Caimão” foi realizado após o envolvimento de Moretti, em 2002, numa acção da Esquerda Democrática. Insatisfeito com o facto desta não desafiar mais abertamente o governo, Moretti passou à crítica e integrou um movimento de artistas e intelectuais que organizaram protestos contra o “caimão”, uma das alcunhas com que Berlusconi é conhecido. Um ano depois, o cineasta iniciou a rodagem do filme, estreado duas semanas antes das eleições que afastaram o magnata do poder político.
Assumido pelo autor como obra política, faz um balanço necessário e acutilante da inconsciência política de quase todos instrumentalizada pelo instinto predador de poucos, que resultou na “berlusconização” da sociedade italiana, e afirma-se como de resistência. Com excelentes desempenhos - de Silvio Orlando e Jasmine Trinca sobretudo - a obra procura equilibrar o registo confessional das cenas familiares, com que Moretti se impôs nalguns das suas criações mais conseguidas, e o da sátira política, como em “Palombella Rossa”, em que já deu prova de maior fôlego. Este equilíbrio é, porém, conseguido fragilmente e resulta pouco imersivo. Se Orlando logra envolver-nos humanamente, o registo da passagem de Berlusconi pela política italiana é fragmentário, alternando momentos fortes, documentais, com outros menos conseguidos.

2 comentários:

Unknown disse...

Eu achei o "Caimão" divertido mas sou fã do realizador. As piscadelas críticas a Kill Bill achei deliciosas. Para dizer a verdade acho que "O quarto do filho" é aquele que menos gostei, achei-o envelhecido.

http://mouseland.blogs.ca.ua.pt
/2007/04/16/o-caimao_nanni-morreti/

xxx mouse

MCP disse...

Também sou grande fã do Moretti mas eu gostei muito de "O Quarto...". As sequências dele como psiquiatra são muito divertidas e equilibram bem o registo mais maduro quanto à intimidade da personagem que ele próprio interpreta.

xxx